Um legado com raízes na serra, nas minas e olhos postos no mar

Por volta de 1870, no auge da exploração mineira em São Domingos, famílias abandonaram as duras minas do Alentejo em busca de uma vida mais digna. A industrialização desigual e o domínio estrangeiro sobre os recursos levaram muitas a descer o Guadiana em direção ao Sotavento Algarvio, onde o tempo ainda se media pelas estações e pela enxada.

Uma dessas famílias fixou-se em Casa Queimada, no coração do barrocal algarvio. Dali partiram, em 1880, Manuel Custódio e Maria Gertrudes, que aceitaram o desafio de cuidar de uma propriedade agrícola. Assim nascia a Quinta do Mestre, enraizada entre colinas silenciosas e com o olhar voltado para o mar.

A primeira casa construída foi a Casa do Mar, em 1888, acolhendo o jovem casal num tempo em que o país enfrentava instabilidade política e económica. Ainda assim, na serra, o ritmo era ditado pela terra.

A quinta cresceu com as necessidades agrícolas e os ventos da História. Em 1904, surgiu a Casa dos Proprietários, usada como refúgio de férias no campo. Em 1910, ano da implantação da República, foram erguidos o Armazém e a Cabana, sinal de uma produção em expansão. Já em 1938, sob o Estado Novo, construíram-se a açoteia e o palheiro, no auge da atividade agrícola.

Durante os anos 1950, tempos de emigração rural e isolamento político, foram acrescentados o curral, galinheiro, pocilgo e a vacaria. Muitos homens partiam para as salinas de Tavira ou para a pesca do atum; as mulheres, com os filhos, permaneciam na terra. Era então que subiam à açoteia e, de olhos no mar, rezavam pelos seus.

A modernidade chegou devagar. Só em meados dos anos 80, já depois do 25 de Abril, a eletricidade iluminou os serões da quinta. A água canalizada só chegou em 1995, já com Portugal na União Europeia.

Em 2015, o bisneto de Manuel Custódio, Miguel Mestre, e a sua esposa adquiriram a propriedade com o propósito de preservar a herança familiar, restaurar as casas e partilhar este modo de vida autêntico.

Durante as obras, encontraram-se vestígios do engenho de outros tempos: remos transformados em vigas, a antiga padaria do Avô Mestre, e um crucifixo cravado na parede da açoteia — memória viva das orações pelo regresso dos homens ao mar.

Localizada num dos pontos mais elevados da região, a quinta oferecia, em tempos, uma vista desimpedida para o mar de Cabanas. Da açoteia, os homens observavam o estado do mar e as mulheres entregavam os seus à fé.

Hoje, a Quinta do Mestre renasce como um espaço de turismo rural genuíno, onde cada pedra, cada sombra, cada parede caiada conta uma história.
Visitar a Quinta do Mestre é fazer parte dela.